sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Calma

– Calma, fique quieto, já estou quase terminando...
– A propósito, que nó é esse, mesmo?
– Da amizade.
– Amizade?

***

– Não.
           – . . . . . . . . . . . . . . –
– E quanto ao nó, porque você teve essa ideia?
– É que eu aprendi a fazê-lo, então quis treinar em alguém...
– Sério?
– É só um pouco da verdade.

***

– Você não queria ganhar a vida cantando?
– É, mas não deu certo.

***

– Olhe só o cabelo daquela mulher, que coisa feia! Parece até um ganso com pena molhada!
– Por que você diz isso?!

***

– Você ajudou alguém?
– Hum, eu não sei... Acho que sim, e você?
– Eu me ajudei, sabe? Procurei melhorar... Você acaba ajudando alguém no meio do caminho... Melhor! Melhor! Você sempre ajuda alguém, a questão é só não prejudicar depois...

***

– Você ainda gosta de mim como gostava antes?
– Acho que não. Eu mudei.
– Também mudei!

***

– Você está feliz?
– Já estive em dias melhores. Já vivi pensando que a felicidade passaria a ser algo próprio de mim, que não existiria um, eu, sem o outro, ela. Já agradeci por não estar chorando nem por estar preocupado, porém isso... Isso já passou. Mas eu não estou triste, você sabe? Só já estive melhor.

Vamos pensar, vamos pensar... Deixe-me ver, deixe-me falar!


Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Tristes velhos fatos

Quem você abraçaria?
Quem você amaria?
A quem você voltaria
quando a noite chegasse e, sozinha embaixo dos cobertores,
todo o seu corpo buscasse um sentido qualquer que seja
que explicasse sua dor?

A quem você responderia?
Para quem você ligaria?
E quem você escolheria
quando acima da sua janela, em um céu de estrelas,
nem uma ao menos você consegue enxergar?

E me diga agora,
qual você escolheria para ser sua?

Para quem você dançaria?
Quem faz você brilhar?
E quem poderia
te por no colo, enxugar suas lágrimas
e entender que você só queria chorar?

Por quem você esperaria
Quem poderia ser?
Quem você escolherá agora,
se não me escolher?

E me diga agora,
a quem você amaria mais?

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Quase Nada

Era uma tarde de Dezembro, ano de 2000, vínhamos morar ali porque estávamos fugindo do que o meu marido chamava de perseguição perigosa; completamente horrorizada acompanhei-o até perceber que aquilo era uma loucura para um ato não cometido antes daquele verão. O meu marido sempre gostou da zona rural, por mais que eu o dissesse que na cidade nós iríamos melhorar de vida, ele ainda assim teimava comigo, contrariando as minhas afirmações e conseqüentemente me convencendo que o chão vermelho e os gados poderiam nos causar bens maiores. 
Não era de se acreditar, vendo um homem forte como o meu se despedaçado de medo por conta da sua atitude erronia com o seu antigo patrão. É compreensível a suspeita que ainda houvesse alguém para nos punir, porém sempre preferi acreditar que por mais que o ato tivesse sido desonesto ele não aconteceu e isso anulava qualquer atitude ruim que se aproximasse da gente. Não foi fácil tentar convencê-lo que nada de mal iria nos prejudicar, ele sempre mostrava contrariedade quando eu tocava no assunto da tentativa de roubo dos bois, era como se o torturassem. Ficava zangado, queria me bater, mostrava pavor e impulsividade quando eu chamava-o para conversar, e na mesa da casinha de sapé, dizia:
- Homem deixe disso. Mostre sua valentia! Corra por esses pastos, vá tanger as vacas, tire o leite; esqueça a história de que o Coronel Felizardo ainda está nos controlando, este miserável já deve está morto e enterrado. Ande, vá tirar o leite das vacas!
Ele saia bravo e desordenado, trocava os pés quando ia andar. Era suplicante vê-lo cair em tal desespero sem ações ruins pára conosco existirem. Tinham dias que eu ajudava-o com a tirada do leite, nesses dias eu via o sorriso transparecer em seu rosto, mas por trás desse sorriso era capaz ver bem fundo um medo avassalador, mas um medo que não era capaz de matar uma mosca sequer. Era inofensivo, ameaçava, logo em seguida corria.
As noites que passamos nessa casinha, longe da cidade, foram noites impossíveis, nós não nos tocávamos, parecíamos estranhos um pro outro. Eu sempre procurava pôr um vestido mais novinho quando tomava banho ao entardecer, para provocar nele o desejo de irmos para cama nos amarmos. Quando eu passava minha mão gélida sobre o seu ombro, ele pousava sua mão sobre a minha mostrando um ato de irmandade, depois se deitava na esteira repousada no chão da sala, virava-se e ia dormir. Eram essas noites que eu chorava sob a meia-luz da Lua.
Passados alguns dias, nós adentramos o ano de 2001 e com essa virada eu supliquei muito que saíssemos dali, pois eu pressentia algo de ruim conosco. Não fui ouvida. Parecia que ele tinha sede de vingança, até já treinava atirar faca no tronco de uma árvore, como se fosse atirar a mesma em alguém ou mesmo no Coronel Felizardo, dono dos gados que ele meses antes pretendia roubar, mas o plano de furto não funcionou.
Foi exatamente no início do outono que eu me deparei com a morte dele. Não foi assustador, portanto não me ocasionou nenhum tipo depressão ou medo. Doeu-me muito ver meu marido morto pelas próprias mãos, depois de tomar uma super dosagem de Valeriano e morrer no celeiro onde estavam as vacas. A cartela onde estavam os 20 comprimidos ficou vazia sob a sua mão calejada e cansada de sofrer aquela condição de “quase nada”. 

sábado, 8 de outubro de 2011

O Buraco do Sol

Em algum lugar, obviamente, um homenzinho com um chapéu de vaqueiro subia numa carroça de burro todos os dias da semana para vender leite de vaca fresquinho aos compradores que há muito já eram conhecidos.
– Hum, hum.
    O tal homem de chapéu de vaqueiro morava num lugar muito esquisito no interior oeste de uma cidade grande. Era um local que mais parecia zona rural, um buraco escondido por elevações do terreno, um espaço onde a urbanização esqueceu-se de chegar. Por esta última descrição, entendamos que isso não era tão bom assim, porque quando digo “esquecido” quero praticar o eufemismo de “abandonado”. Isso mesmo. A população dali, embora certa vez um cantor de música popular tivesse aparecido num jornal local, estava perdida em meio a tantos prédios, a tanta “preocupação” com isso e aquilo, a tanta jogo de mau caráter, a tanta farsa e promessas de homens de cabelos oleosos e muita maquiagem no rosto. Você sabe em quem estou falando. Somando-se a isso, como se tivesse vestido uma armadura, aquela mesma população também havia se esquecido de si própria, desacreditada das coisas boas e “daquilo que nos é dado de mão beijada”. E para poderem se sustentar, cada homem e mulher que viviam naquele imenso buraco no interior oeste de uma cidade em desenvolvimento lutava com suas própria armas: o trabalho forçado, o trabalho não regulamentado, o trabalho não alfabetizado e, com muita fé e coragem, o trabalho “digno” – só não sei explicar digno para quem, porque, sinceramente, trabalhar, trabalhar e trabalhar para no fim morrer por causa do e sem o trabalho não é digno para ninguém!
    Descrevendo um pouco mais sobre esse estimulante lugar conhecido como “O caloroso cantinho”, embora os contentes moradores preferissem chamá-lo de “O buraco do sol”, devo prevenir-lhes que todo esse sofrimento não era percebido por nenhum dos habitantes daquele belo declive verde de montanhas marrons. Acho que eles não se davam conta ou não se importavam com o que lhes esperava.
    Mesmo não sabendo do terrível futuro incontestável, qualquer pessoa ainda ficaria muito triste por ter de trabalhar constante e forçadamente daquele jeito quase desumano que a população daquele belo espaço, onde o sol no finzinho da tarde banhava como se fosse mar, trabalhava. Eram pessoas que mesmo quando feridas – e quero deixar bem claro que saúde e hospital eram palavras desconhecidas – amanheciam logo cedo, enfrentavam um calor de rachar a pele suja, bebiam um copo com água não tratada – e esta última palavra também não fazia parte do vocabulário deles – e trabalhavam sem qualquer cuidado ou prevenção, fazendo as coisas mais desesperadas e possíveis – no limite da ignorância deles – para se ganhar dinheiro. Eram trabalhos muito parecidos com os que normalmente vimos em qualquer zona rural extremamente agarrada a raízes duras e secas; não faziam a mínima ideia do que era tecnologia ou informática; – Hum, hum. – À noite, após chegarem a suas casas, os moradores d’O Buraco [...] ainda eram lascados pelo  calor, enfurecidos por mosquitinho chatos, barulhos de bichos ou de bêbados e tantas outras condições que não me permito nem em pensar; no mínimo, para eles, era mais confortável trabalhar o dia inteiro mesmo. Ainda mais se formos levar em conta o futuro daqueles habitantes, embora eles desconhecessem a própria desgraça. No entanto, o que mais me surpreende é que mesmo assim os peculiares habitantes daquele charmoso lugar não conseguiam parar de rir sequer um minuto. Riam muito, mesmo. E eu fico pensando aqui em como eles conseguiam isso. Um dos meus mais fortes palpites é que não conseguiam imaginar em uma vida melhor, porque nunca viveram uma diferente. E a infelicidade deve ser o mesmo que inveja. Como não tinham inveja de outro tipo de vida, não eram infelizes. Mas, considerando que muitos daqueles humanos de pele e osso saiam todos os dias de sua acolhedora localidade interiorana para trabalhar vendendo seus produtos, pergunto-me como não conseguiam perceber alguma coisa diferente na vidas das outras pessoas que moravam fora do buraco onde a brisa do mar nunca chegava – e mar era outra coisa inalcançável –. Acho que simplesmente fechavam os olhos para as diferenças. Eram completamente felizes e continuavam vivos – e viver era uma palavra muito bonita –, então como podiam procurar por diferenças? Porque diferença só quem procura é a infelicidade, e esta é motivada pela inveja. Como lá não havia inveja, também não existia infelicidade, e, portanto, como isto também era desconhecido, não havia diferenças.
    Voltando ao leiteiro, num passado próximo, esse mesmo homem estava fazendo o mesmo trajeto – que como o do resto das pessoas que saiam do buraco para trabalhar, não ia tão longe do local de onde saiam –, mas com um acréscimo a mais: uma ferida na perna motivada pelo coice do burro que levava a carroça na qual o homem ia montado. O ferimento foi tratado pela mulher do homem com ervas douradas – mato queimado pelo sol – encontrado ali perto, aos pés das elevações – pequenas montanhas, diziam com o sorriso anormalmente longo.
– Tsc, tsc.
    O ferimento poderia ter ficado horrível, simplesmente perigoso para a saúde daquele velho homem de unhas sujas e chapéu desbotado de vaqueiro. Mas como tudo em “O caloroso cantinho” ou “O buraco do sol” era engraçado e anormalmente estranho, o ferimento não ficou tão feio assim. Na verdade, depois de uma hora, o tal leiteiro nem gemia de dor, e o inchaço estava quase por findar-se... É, tudo não passava de algo roxo, verde e preto, o inchaço e a dor – e só. – Bom, não me venha com leseira acreditando que o mato era milagroso. Não, não! Em outro palpite, acredito que era a humildade, a vida que levavam, a esperança e tantas outras qualidades daquele povo que faziam com que qualquer ferimento ou doença não passassem de coisas sem importância. É! Eles não davam tanta importância assim, pois “no fim tudo vai dar certo”, diziam-se esperançosa e alegremente, como sempre – e Deus sabe agir sobre aqueles que precisam.
    – Se lá existiam infelicidades? Claro que sim! Mas eram bem mais voláteis que as nossas, na verdade eram mais bonitas também. Nada que um passeio no “Caloroso cantinho do buraco do sol” pudesse ajudar. Já houve muitas lágrimas, muitos gritos desesperados lá, mas tudo era tão sério e rápido... Quase que como um suspiro gasto e forte... As infelicidades nunca haviam modificado nada daquele belo lugar, nadinha. As coisas, no fim, voltavam ao que eram antes, pois “no fim tudo vai dar certo”. 
    – Ohhh – anunciou o leiteiro a sua própria chegada para a velha compradora de seu leite. A mulher respondeu com um desesperado “Já vai!” e logo após uma criancinha vestida apenas com roupa íntima apareceu perto do portão carregando uma vasilha branca que um pouco lascada nas pontas. O leiteiro sorriu escondendo a sua falta dos dentes, embora não tivesse percebido isso, e a criança continuou olhando com sua cara indecifrável – aquela cara de criança que vê algo novo, embora a da nossa história já tivesse visto aquilo diversas vezes. O leiteiro pegou calmamente a vasilha da mão esquerda da criança, encheu a metade com leite e passou de volta com o mesmo sorriso, dessa vez mostrando os únicos três dentes da frente e as várias “janelinhas” que tinha. A criança saiu quase correndo. Quase depois, uma mulher com um lenço na cabeça, uma saliente barriga e braços molhados de sabão apareceu no fim do estreito beco para o qual o portão dava. Ela gritou “E essa sua perna, seu Pedro?”. O leiteiro, ainda sorrindo, gritou “Tudo como deveria ser! Indo calmamente!”. A mulher, talvez surpresa com a mais nova resposta engraçada do seu Pedro, soltou um sorriso como se achasse tudo engraçado e como se já não conseguisse acreditar que ainda ficava surpresa com aquele bom homem.
    Isso havia acontecido no finzinho da tarde, portanto já era hora de voltar ao “Buraco do sol”, para não perder o esplêndido espetáculo das luzes caindo sobre as montanhas...
    Era sempre mais bonito ver um pouco de longe, descendo uma imensa e alta ladeira, que era um dos três caminho mais fáceis e seguros para se chegar ao “O caloroso cantinho”. Seu Pedro ia descendo a pé mesmo, acompanhado de uns três amigos. Quase todos os dias os quatro desciam juntos para chegar a suas casas. Iam sempre conversando sobre o dia, rindo e contando piadas que ouviram em algum lugar ou que tivessem criado. Só paravam de conversar para ver uma das coisas que mais agradava em poder morar em “O buraco do sol”.
    De longe, os quatro homens viram quando as três pequenas montanhas coloridas de um marrom muito escuro foram ficando cada vez mais escuras no topo... Nos pés delas, a mata densa, fechada e verde ia se pintando de sol e tomando um frescor quando algum vento balança as mais altas árvores e os pássaros agitados pareciam ficar mais claros... Próximo à mata, a cor das montanhas mais parecia ter se tornado cor de chocolate ao leite. Na verdade, toda a montanha parecia ter se tornado uma imensa barra infindável, dava até para sentir o gostinho na pontinha da língua se espremêssemos os lábios. O calor abafado e tão agradável do dia ia sendo levado enquanto os ventos nebulosos passeavam e conversavam com o que quer que estivesse em seu caminho. Quem estreitasse os olhos poderia jurar que via o cabelo do vento esvoaçando por cima do chão, levantando poeira. Na terra laranja e marrom, os insetos começavam a cantar a serenata, lembrando-nos que há vida, há vida mesmo que o corpo seja pequeno e frágil! As estrelas todas brilhavam branco em meio ao céu ainda um pouco claro e se refletiam em seus olhos mesmo que você não as visse, porque... Porque sempre tem alguém por você.
Talvez seja esse o segredo que procuro.


Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Conta-me

– Conta-me!
– O quê?
– O que você tanto escuta e sonha!
– O quê?!
– O que você escuta – e sonha.
– Como assim?
– Você não tira esse fone do ouvido; e olha como se soubesse ou que existe para além do horizonte.

Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Quem tu és

Quem tu és? Vindo assim tão fraco e desse jeito cansado, na verdade é só para me confundir; eu, que já te espero por muito tempo perdido de vida. Nem me lembro do dia em que tudo isso começou. É, veio e foi sentimento, me confundindo ainda mais, porque eu não sei quem tu és. E assim, dessa forma e me deixando confuso, vai te parecer loucura. Não ligo que zombes, e até se isso for sair por mais do que pensamentos, expõem, só assim tomo raiva de ti e vejo por onde começar a te esquecer. Mas, como pode? Eu não sei, pois quando se trata de ti, eu deixo de ter respostar, deixo de levantar o braço e passo a me encolher, esperando a meia-luz, só pra pensar em ti sem que os outros zombem de mim. É, e por fim, digo que não sei se te amo, me confundes por todo e faz com que todo o resto que me sobra me confunda. Quero-te.
Ítalo Héctor de Medeiros Batista.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A pior arma da vida


Foi importante o encontro daquelas almas, elas pareciam viver após tanto tempo de terem passado sem ver a luz da vida nos olhos. Era suficiente apenas o amor para alimentá-los, porque os abraços que se davam era de grandiosa necessidade, cujo amor se transmitia pelo ato de abraçar, e quando se tem amor nada mais se precisa.
Foi dado o adeus àquele pequeno lugarejo onde viveram por mais de vinte anos, momentos longos e de grandes dificuldades. Na bagagem traziam poucas coisas, tão poucas que não se era preciso transporte para levá-las até o novo endereço que não era nem tão perto, nem tão longe. Além dos utensílios necessários a qualquer pessoa, eles levavam consigo dois pequenos seres, uma menina que aparentava ter de cinco a seis anos e outro, que se mostrava mais esperto que a menina.
Caminharam por algumas horas porque não dispunham de carro; a felicidade era tão risonha sendo somente preciso a presença de pernas que os sustentasse o corpo já cansado de caminhar. Dobraram uma rua dando de cara com uma pequena casinha de cor branca, com um modesto jardim para que eles pudessem cultivar frutas e legumes e onde as crianças pudessem também brincar.  Nunca haviam pensado em recomeço, mas naquelas horas seguintes não pensavam mais em nada, só em recomeçar e caminhar sempre em frente esquecendo toda aquela vida exaustiva capaz de matar a quem fraco se portasse.
As crianças adentraram ali bem dispostas, prontas para brincar sem o cansaço trazido da viagem. Agora a nova casa também era um incentivo para as crianças irem à escola, porque de onde vinham não traziam nenhuma boa lembrança. Começaram então a brincar no jardim com um monte de areia que estava próximo a uma pequena casinha como se fosse um abrigo para cachorros. O casal foi ao encontro de uma porta que dava acesso a casa completa, lá se encheram de alegria, foi possível ver a dimensão da casa que ganharam da família; desde o casamento eles moravam em um bairro moribundo, onde nunca seria possível a felicidade completa, pois eram ameaçados de morte todos os dias. 
Os momentos bons só aumentarem depois daquela nova casa, nunca pensaram que um imóvel poderia causar-lhes tanta felicidade. Agora as crianças pareciam satisfeitas, iam à escola com vontade de aprender; o casal se amava cada vez mais, se olhavam orgulhosos de terem vencido tal obstáculo da vida, aqueles momentos ruins agora estavam tomados por um arquivo morto.
Eis que a felicidade não é eterna e certo dia o homem havia saído para comprar a ceia do dia, enquanto a mulher teria ficado em casa, arrumando os preparativos daquela última refeição juntos, porém de repente ouve-se um barulho, a mulher assustada corre até a porta dos fundos de onde o amado teria saído. Era possível avistar a cidade pela porta, as luzes do centro comercial próximo dali ainda não haviam acendido a luz do Sol ainda estava por se findar, quando desesperadamente ela direciona o olhar ao chão da porta e depare-se com ele morto, sob uma mancha enorme de sangue, capaz de sujar toda entrada daquela varanda branca como as nuvens. Atirada aos pés do amado, explica-lhe baixinho:
 – Meu amor a pior arma contida na vida eu usei contra ti: a traição. Perdoa-me! Ali ela permaneceu até as luzes acenderem e assim tirarem-na. 

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Papa de aveia

É algo parecido com uma papa de aveia de cor creme, homogenia, doce, grossa, quente e cheirosa e que de repente esfria, virá pó, fica insossa, uma casca dura e amarela, rachaduras por todas as partes, a um sopro de tudo quebrar mais quebradiço que antes. Talvez eu continue a fingir para mim pelo resto dos tempos que eu não sei por que penso nisso quando o “eu e você” muda totalmente.

Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista

sábado, 23 de julho de 2011

Garçom

           - Alguma vez você já sentiu o blues correndo em suas veias, corroendo tudo e deixando apenas a efemeridade de um vazio impreenchível numa daquelas noites em que você percebe que não é nada? Ah sim, você sabe do que eu estou falando!
            Mentiras são verdades contadas baseadas naquilo que queremos acreditar. Conte-a uma vez e você estará mentindo. Conte-a outra vez e ainda assim, será uma mentira. Conte-a centenas de vezes e terá uma verdade.
            Nós? Nós somos feitos de mentiras, somos construídos e baseados nelas. Todos os dias abrimos a janela do nosso ego para o jardim de nossa subjetividade e lá está, tudo no exato local em que deixamos quando as luzes se apagaram e fomos dormir.
            E é assim que, ao menor indício de uma contrariedade naquilo que construímos e acreditamos ser perfeito, nos desestabilizamos de nossos propósitos. Colocamos nossas bases em fatores externos, totalmente alheios à nossa sensação de controle, seja um relacionamento, uma conquista, uma estabilidade, um estado de espírito. E, de repente acordamos de manhã, olhamos rapidamente e notamos que alguém veio, pisou em nossa grama, esmagou nossas flores e destruiu nosso sonho.
            Perdemos o rumo por medo, medo de perdermos aquilo que alcançamos. E então paralisamos. O medo se torna o caminho para o lado negro. Para o caos. Mas e se o aqui, o agora, já não é o caos? E se o caos esteve presente o tempo todo e nós que construímos barreiras, ficamos cegos, baseados no que vemos e não no que sentimos? Quem é capaz de ter certeza absoluta quando a verdade e a mentira tem o mesmo significado? Ou mesmo, quando não existe verdade absoluta e as mentiras são verdades questionáveis?
            - Não faço idéia meu senhor, sou só um garçom. Mas acho que o senhor deveria parar por hoje.
            - Sou filho do ceticismo e amante do caos que é viver meu caro! Portanto pare de mazelas e encha logo este copo com mais uma dose. Preciso matar algumas verdades!

terça-feira, 12 de julho de 2011

O dedo

      O dedo
É como um espinho
    Em um altar
– Do crime –.
E o vento
                E o sal
                E as ondas do mar
                Servem-lhe com um farou
                D’onde se partem as horas
                Afim de se concretizar
                Se não quebrar...


Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Coisas de Invernos ou Outono



Era um dia de inverno, ou será que era de outono? Não sei, nunca soube.
Lá do outro lado do céu, eu consegui ver, as nuvens não quiseram ficar. Estavam todas acima de mim, e a chuva estava bem pesada – você me entende, não? Alguns ventos passavam bem pertinho de mim, eu os sentia, mas guardei meu corpo escondido por um muro. Eu vi muitos carros passarem pela minha frente e também percebi que muita gente me olhava, ou será que olhava para ele? Com seu casaquinho azul-marinho e vermelho, com seu pequeno corpo não escondido do vento, segurava minha mão com uma das suas pequeninas, enquanto a outra ficava bem perto do queixo, fechada, com aqueles dedinhos brancos, mas não tanto, e de unhas cortadas. Ele olhava para longe, para um lugar que só ele podia ver, e eu ficava observando-o assim, desse jeito tão pensativo, de boquinha fechada, com os belos fios de cabelo claros e bem finos…
Em nenhum momento, quando a chuva bateu em seu braço ou face, ele reclamou ou virou os seus olhos, que pareciam tristes, para os meus, embora eu quisesse encará-lo. Olhando-o, não consegui me conter, e querendo muito, mas sem perceber, peguei sua mão, aquela que ficava próxima ao queixo, e levei-a até meu nariz. Senti o aroma de criança e o contato com sua pele fria e lisa. Depois eu beijei aquela mãozinha, e eu já estava sorrindo – era muito para mim.  Sem parecer se alterar – como se ainda visse algo que apenas ele podia enxergar, embora tivesse noção de que havia se atrapalhado todo após meu roubo de carinho –, finalmente virou os olhos para os meus, que aguardaram esse momento. Aqueles olhos castanhos escuros que ficavam abaixo de uma sobrancelha fininha… Disse-me: “Por que você fez isso?”. Sua voz estava calma, como costumava. Eu achei incrível como aquele humano conseguia ser daquele jeito. Sem pensar muito, respondi rapidamente: “Porque eu te amo. Você não gosta do meu amor?”. Seus olhinhos logo se tornaram cor de amêndoa. Nos cantos de sua boca algo parecia fluir naturalmente. Eu acho que ficou envergonhado. Querendo esconder um forte sorriso – o que ocorreu sem êxito, de modo que sorriu desajeitadamente –, ele deixou-me segurando suas mãos – o que eu realmente gostei, além do fato de vê-lo sorrir por minha causa – e voltou o rosto para o lugar onde deveria estar aquilo que antes olhava, mas tudo havia mudado para melhor, nada seria como antes…


Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista

domingo, 19 de junho de 2011

De volta

Passaram-se muitos tempos e foi em vão pegar no papel para tentar escrever uma linha se quer, era impossível arrancar alguma palavra desse meu interior vazio, mesmo que esta palavra explicitasse alegria ou tristeza. Mas o que importava não eram as produções, não se tinha algo para apontar como causador, não havia fatos, o que era o pior, o único responsável por tudo isso foi o tempo que paralisou a minha produção de escrever.
Não é fácil olhar para si mesmo e sentir que nada o que você pensa ou sente acaba sendo tão provável a ponto de ser passado para o papel. O seu eu – lírico acaba ficando como um balão, um balão cheio de gás, cheio de nada. Fica somente você e o seu reflexo, sem compreensão e aquele “amigo” que lhe acompanhava nos pensamentos e logo após passava a ser escrito no papel, sumia. Não foi diferente comigo, nada respondia aos meus gritos interiores, eram gritos de horror, era como se eu procurasse a minha sombra que nos acompanha em todos os lugares, em todos os tempos cronológicos, mas passou a não mais existir. Some e pronto, sem nenhuma explicação, sem adeus.
Presenciar diversos fatos, escutar tantas palavras, escrever tantas bobagens, apreciar tantas imagens e nenhuma delas me satisfazer. O que eu estava procurando? Será que eu havia me perdido de vez? O que aconteceu comigo? Aonde foram parar minhas palavras? Será que estavam embaixo da minha cama, com medo das minhas reações tão prováveis? Foram milhões de perguntas que ficaram sem respostas, e ficarão, a não ser que alguém, um dia, em algum lugar escute aqueles meus gritos de horror e possa me ajudar a compreender como as coisas mais banais acontecem e por qual explicação elas se esvaem no silêncio do infinito.
Agora não há mais tempo de seca, ficou somente um radicalismo, talvez seja uma mudança para modificar todas as palavras, tirando-as de sintonia, deixando-as desorganizadas sobre o papel, saindo sem freios como um monte de areia que cai sobre uma construção de edifícios. Tudo isso me fez enxergar o mundo sem limites, com calma, mas sem fronteiras. 

terça-feira, 7 de junho de 2011

Descrições de uma madrugada á noroeste.

Sexta-Feira 04/02/2011, às 00:01

Já se passa da meia-noite. Estou na sala, debruçado sobre a mesa e à luz de uma vela – faltou energia em quase todo o país, mas não me pergunte como sei isso, pois então eu teria que escrever muito, muito, e estou cansado.
É tudo tão abafado, silencioso... Mas as folhas de papel e a caneta cortam secamente essa calmaria, reverberando de agonia, gritando em meio ao calmo.
Escuto latidos de cachorros lá longe, mas tudo é escuridão, não posso enxergar muita coisa à minha frente. Da brecha da janela, também escuto um barulho ensurdecedor diante dessa “tranquilidade”, que só é perceptível se o procurarmos. Percebo logo que é um automóvel, e então ainda mais longe surgem mais desses ruídos. Às vezes dá para ver uns pontos de luz lá na estrada, avenida; é um belo espetáculo.
Onde estou, há o som de insetos como grilos e cigarras... Tudo é música de fundo.
Agora a pouco fui ver o céu, as estrelas parecem ter se multiplicado, está tudo bem azul, a não ser pelas nuvens lá no horizonte noroeste, estão todas tão iluminadas que parecem montanhas (uma assumiu forma de baleia), e me pergunto se essa luz vem da lua, que vem do sol, que torna dia o meu horizonte noroeste.
Acabei de queimar um pouco a ponta de meu lápis. Eu gostaria de saber como sairia a escrita, mas a não ser a primeira letra, o resto está normal.
Lufadas tornam-se mais ferozes e barulhentas nesse silêncio. Eu continuo com calor. A luz da vela está bruxuleando, ficando mais baixa, e meu frenesi em escrever torna-se ainda mais barulhento.
Agora são dezoito minutos da manhã, e o céu decidiu guarda-se – nublou! O telefone acabou de tocar, logo fui atender, estou com ele preso ao meu ombro, mas ninguém fala, não há chamada, só um zumbido. Será que a energia voltou?
Acabei de ver na lâmpada do banheiro, ainda não...
Alguns carros projetam luz na minha janela de vidro, e de repente sombra de galhos de árvores surgem. O filho deficiente mental do meu vizinho faz barulho, grita, chora ou tenta se expressar de alguma outra forma barulhenta, já que não sabe falar. Às vezes ele se cala, mas eu sei que continua lá, com medo.
Agora a pouco fui ao nosso pequeno terraço fechado. Eu quis ver o céu novamente... Tudo parece tão mais escuro. O vento balança as árvores que ficam uma em frente da minha casa e a outra do lado, e eu vejo os galhos se mexerem... Adoraria estar com uma vela escrevendo no frio lá de fora.
As nuvens do horizonte noroeste estão se espalhando, o céu está ficando mais iluminado e fechado. Na abertura entre as nuvens há muitas estrelas, mas tudo ficou mais escuro e quieto.
Não estou com sono, mas acho que se eu não for me deitar meu pai reclamará. Agora darei mais uma olhada no céu que não vou poder descrever aqui. Boa noite.
P.S: No horizonte noroeste é como se o dia estivesse amanhecendo. Engraçado, não é? Noroeste! E a copa das árvores balança, eu as vi e vejo a tudo...
(alguma hora depois)
Não fui me deitar. Sentei no pequeno terraço e fiquei escutando os sons, vendo o que eu podia. Percebendo a negritude do meu olhar, do ar que deveria não ser visto, mas eu consigo. Só depois me deitei, mas a muito caro.

Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista

domingo, 22 de maio de 2011

O gato verde

Houve um gato. É. Houve um gato. Ele era manso, embora soubesse parecer duro... É, mas no fim ele foi duro.
Esse gato não teve mãe, nem pai. Era um gato livre, pois também não tinha dono, mas existiam pessoas que gostavam dele. Existiam pessoas que adoravam vê-lo dormir sobre uma calçada no fim da tarde... Era um belo gato, de olhos verdes, mas não era qualquer verde... Era aquele verde de gato, sabe?
Eu conhecia-o. Eu adorava-o. Sempre quis tocá-lo, fazê-lo sentir que merecia carinho, mas parece que ele não sabia o que era isso, pois odiava quando eu o tocava, ao menos era isso que eu achava, porque, bem, ele miava ameaçadoramente. Eu sempre o achei muito bonito, muito mesmo, e tinha-o como meu, porque ele podia ficar na minha casa quando quisesse, ele era de lá...
Como a maioria dos gatos, tinha o jeito muito engraçado de dormir. Eu chamava-o de folgado quando ele fazia graça enquanto dormia... E dormia quase o tempo todo, como se fosse cansado, mas disso eu não sei.
Então, numa fim de tarde, ele estava lá. Lá, um pouco longe de mim. Mas não era o mesmo gato, nem seria mais... Ele estava deitado perto de uma entrada para o esgoto da rua, bem próximo. Eu fui chegando perto, mas já sabia o que me esperaria... Ele tremia tanto...
Alguém havia derramado leite próximo a sua boca, mas ele não bebeu, eu sei que não. O gatinho não tinha noção do que acontecia exterior a sua vermelha dor interior. Seus olhos estavam bem apertados, eram de um verde oliva de dar medo, ou dó. Ele sempre havia sido magricelo, mas vê-lo tremer daquele jeito, aquelas contrações fortes – porque eu sei que eram fortes e que doíam bastante – acontecerem por baixo de seu esqueleto visível era horrível... Ele nunca tinha comido realmente, talvez fosse por isso que havia engolido aquele veneno, porque só podia ser veneno... Certamente tinha o encontrado em meio ao monte de comida... ou não. Mas, bem, ele continuava a tremer, tremia tanto... Eu cheguei a pensar que se eu o tocasse bem de mansinho, talvez, talvez ele parasse, talvez ele se acalmasse. Mas não iria, porque ele tremeu tanto, por tanto tempo... Seus olhos já estavam vidrados, já eram olhos de morto. A única coisa viva dentro dele só podia ser a dor. A dor que o fazia se contorcer por inteiro, que o fazia levantar alguma pata, que o fazia esticar freneticamente a língua para fora. Por algum motivo sua boca estava aberta... Ah! Só podia ser muita dor, muita mesmo... Ele não parava de se tremer, de se mexer... Agora suas patas balançavam-se muito, esticavam-se e batiam-se de modo reto e rápido... Mas, embora não ficasse parado, estava muito silencioso, tão silencioso que dava para escutar o som da água suja correndo por baixo dele, tão silencioso que dava para escutar a animada música que o vizinho havia posto... Sabe? Às vezes uma bomba de festa explodia e era eu que também tremia.
Eu acho que ele já havia morrido. Eu já disse que seus olhos já pareciam ser de gente morta. Sua cabeça molhada pelo leite batia e se arranhava no chão... Eu não sei se ele estava respirando, talvez tivesse se esquecido disso em meio a tanto dor...
Não, não estava vivo. Como poderia ter aguentado tanta dor! Era tanta dor! Tremeu por tanto tempo... Será que ele morreu muito antes de parar de tremer? Será que ele escutou a música, as fortes bombas serem explodidas?
É tão triste pensar que alguém morreu desse jeito. É tão triste que ele tivesse morrido, é tão triste saber que não mais vou poder rir por causa dele numa tarde tediosa dessas que sempre existem... É tão triste que ele tivesse sofrido tanto, por tanto tempo... É tão triste que ele se calasse de tanta dor... Estava tão empoleirado... E o vi de longe. Eu vi aquele pequeno corpo não descansar, vi aquele corpinho de gato manso e de pêlo macio ficar se debatendo como se estivesse engasgado... E você sabe que é ruim estar engasgado... Mas o engasgo do gato era duradouro, e eu doentiamente me perguntava até quando ele iria sofrer, e isso me deixava muito parado - será que até amanhã de manhã? Não, não pode ser assim, é muito sofrimento, para a certeza de uma morte - porque ele sofria tanto... Ele agonizava... Seus olhos pediam piedade, ajuda, eu sei que sim, mas ele não se importou com minha presença... Ele não miou, não havia miado nem um pouco durante todo aquele sofrimento... Eu só via aquelas finas perninhas ficarem incontroláveis, batendo na areia, no concreto da boca do esgoto, em si mesmo... Ele não miou para mim como sempre fazia quando eu chegava perto... É por isso que já devia estar morto, mas olhá-lo subir a cabeça ao céu e abrir a boca era horrível... Fazia-me perguntar a mim mesmo se ele estava realmente vivo...
Às vezes eu o olhava de longe, suas orelhinhas balançando-se, sua cabeça se arranhar na areia, e ele parecia tremer menos, bem menos... Mas ainda sofria, ou era apenas seu corpo que sentia a dor, que eu sei que era como se uma agulha estivesse espetando-o no interior... Talvez estivesse todo vermelho por dentro... Era como um soluço ininterrupto, mas um soluço silencioso, que se dava pela forma e pela dor dos olhos oliva cansados...
Anoiteceu e ele continuou lá, do mesmo jeito... Acho que ele só pensa, se pensa, na hora em que essa dor vai parar, porque.... Porque é agonizante ficar daquele jeito, duro, sem força para continuar, sabendo que não vencerá, vendo que anoiteceu e nada aconteceu... Se ele estivesse vivo, tenho certeza que estaria cansado. A dor... Mas toda ela passa; é, a dele só passaria quando o corpo não pudesse sentir mais nada, e isso depois de mais de quatorze  horas...
A dor fazia com que ele se contorcesse todo, se contraísse a todo instante... Será que em algum momento ele fechará os olhos oliva ardentes de sono, força e desespero? Quando seu corpo poderá descansar?  Será que amanhã, quando eu acordar, ele continuará lá? Será que ele irá tremer para sempre em meu coração?



Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista

domingo, 8 de maio de 2011

Com vontade, com medo, sem confiança em minha mente...

Tenho andado angustiado
Pensando em melhorar
Em minha vida,
Em tudo que conheço
Porque vejo muita coisa em que se pensar

Olho aqueles que foram postos
Que em cima de nós nos colocam
Porque nada se cumpriu como devia
E essa “justiça” que pior fica

Indignado estou
E não apenas pelos supracitados
Mas pela ilusão jovem


Tem feito covardia
Andando mentindo
Esquecendo da vida
Daqueles que precisam
E acreditados iam...



Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista.

terça-feira, 26 de abril de 2011

São Lufadas

Vinde Lufada
que sobe pela montanha íngreme, pela penumbra,
fica a estarrecer.
Esse vento sinuoso, mas ponderado,
que leva nossas folhas para o alto,
fazendo-as nos ver.
Aproveitando o ensejo,
fica fria do frio,
depois desse esfriando com o frio vazio.
E caso goste, ainda vai ao oceano para contar o meu segredo aos peixes,
fazendo-me numa prisão.
Decrépito estou
e já perdi o seu enfeite.
Sucumbi ao seu temor,
mas ainda a amo como a toda natureza - 
maravilhado com tudo, inclusive com a beleza.




Em dedicação à Thayná Tavares, a amiga mais antiga que tenho...

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Uma outra gata - Meg

    Como sendo o oposto de uma música francesa que se escutou certo dia, houve uma gata sem luz própria e sem muito a dizer ou escutar.
    Desculpem-me por interromper isso aqui tão bruscamente, mas antes de qualquer coisa, eu quero contar algo que acho muito importante, e também porque não quero esquecer: toda vez que o dia era frio, Meg, essa gata tão real, deitava-se sobre um pedaço de calçada, um canto que ela podia chamar de seu. Deitada, ela sentia o frio e o calor do chão duro e pontudo, mas que era algo confortável e confortador para ela. Meg olhava para o céu e via as nuvens passarem tão rápidas... Era como encontrar algo para poder dizer-se feliz.
    Retornando ao meio raciocínio, ela era conhecida de uma gata, chamada Betty. Quero dizer, hum... Na verdade, eu não sei. Talvez Betty não conhecesse Meg, ou então a ignorava. Essas duas gatas compartilhavam da mesma solidão. Ás vezes, juntas, deitavam-se sobre o muro e conversavam silêncio. Ou então era apenas Meg que se deitava e olhava, de cima, para a outra sentada na calçada morna. Mesmo sendo uma vista superior, a indiferença de Betty causava medo e agonia à pobre Meg. Aquela sempre foi muito fria. De fato, quem sempre tentou uma aproximação foi a atormentada gata do muro.
    Certa vez, numa tarde quente, quando o silêncio não existia, quando a vida já se achava tediosa de tanto tédio, e quando os pássaros choravam por algo ainda não acontecido, Meg, deitada sobre o muro, não virou o focinho para ver os cantos e os gritos, as risadas... Estava muito cansada e com sono, procurando uma lufada qualquer que refrescasse seu corpo. Ela não entendeu muito bem o que acontecia ao seu redor, estava muito confusa. Havia escutado uns barulhos estranhos, algo que parecia ser um latido, mas ela não entendia dessas coisas... Curiosa, foi tentar falar com Betty, fazer a primeira comunicação com a colega de solidão, perguntar se essa sabia de alguma coisa acerca dos ruídos estranhos e novos... Porém, para falar com Betty, primeiro Meg teria de encontrá-la.
    Os ruídos haviam cessado, a gata havia decido do muro lentamente... Quando chegou ao chão, quando havia aberto os olhos e não havia encontrado o que queria, sentiu algumas sensações estranhas: algo estava para acontecer.
    Meg foi pegada de surpresa por dentes e jogada para o lado. Quando se deu conta de que era um cachorro dos bravos que estava atacando-a, ela logo tentou se movimentar e fugir, mas o cão foi muito rápido e a pegou pelo rabo, novamente com os dentes, e a puxou, e a arrastou... Meg foi virada e ficou de frente a frente com o canino... Olhando nos olhos do cachorro, a gata viu uma raiva atiçada, o pobre animal não havia nascido ruim, não poderia ter sido isso... Ela percebeu que o cachorro havia sido influenciado a ser mal, viu o seu olhar vazio de uma raiva sem sentido, raiva apenas por raiva, mas a gata não teve muito tempo para lamentar o pobre animal, este latiu ferozmente, mostrou os dentes e começou a morder o corpo de Meg. Ela, tentando se defender, com as patas, arranhou o focinho de cachorro, apertou as garrinhas com tanta força de medo e de tentativa de sobrevivência que fez o cachorro sangrar, mas ela também sangrava... De repente, perdeu muita força, ficou um pouco tonta, nem percebeu quando o cachorro, latindo enlouquecidamente, saiu correndo atrás de risadas malignas de um homem que o irritava. O ser humano havia sido mau tanto para o cachorro quanto para a gata, e estava rindo alegrimente por ter feito os dois se ferirem...
    Quando Meg subiu num pé de manga para tentar se salvar do cachorro, o maldoso homem subiu logo em seguida e puxou-a, arrastou-a pelos galhos, jogo-a no chão humilhada e cansada.
    Não haviam deixado-a em paz. Ela poderia ter sobrevivido, mas a maldade humana fê-la andar de mansinho, embora estivesse morrendo de medo de ser pega novamente, dando cada passo calejado, arranhado, bambo e cansado sobre os paralelepípedos do caminho curto e sofrido que era para sobreviver. O esqueleto, salientado sob o couro de gata, feria as feridas finas, profundas e ardentes dos órgãos, fazia sangue virar ácido à dores delirantes. Algo dentro de si mesma arranhava-a, lhe cortava o raciocínio, e então ela fechou os olhos cansados, mas fechou sem perceber, e sem perceber que havia fechado os olhos, pois a dor de seu corpo era muito mais intensa que o mundo, ela continuou caminhando em frente, triste por não ter tido amor, por não ter sido mais feliz... O espaço externo à sua dor era barulhento, canalha e quente. Calor esse que adentrava pelos ferimentos e balançava-os, fazendo-os pisarem na tristeza. Meg não sabia se iria sobreviver, mas queria ficar um pouco só, queria algo que ela não sabia e nem havia conhecido.
    Seu sofrimento se assemelhava à inocência de alguém que fica em silêncio e que não compartilha com o mundo – pois não há ninguém que te ouça – os sentimentos, as faltas, a saudade que sente, à solidão de ver tanta gente junta e achar-se só e sujo. 
    Portanto, subiu com tamanha dificuldade uma calçada lúgubre e, usando de alguma força desconhecida, entrou pesadamente pelo portão enferrujado de uma casa... Ninguém havia feito Meg parar, ninguém havia deixado entender que sentia pena dela – e até mesmo de pena ela sentia falta -, apenas a olharam desaparecer pela poeira que é o sofrimento e a dor, deixando-a nunca mais ser vista, nem contada.


Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista

sexta-feira, 25 de março de 2011

A Catarse

      Primeiro, ele expulsa todos os seus sentimentos até que reste apenas um, o desejo. E este, por sua vez, é tão forte que domina todo o seu corpo até que você esteja totalmente entregue e completamente vulnerável. Seu corpo dirigi-se a ele como se o pertencesse e os instantes seguintes não serão mais raciocinados, apenas sentidos. Você caminha procurando o lugar mais escuro possível onde apenas você, a escuridão e o silêncio se transformarão em um só.

         É chegada a hora e então você toma o primeiro passo. Descrever este ato é como olhar para uma obra prima e entender cada magnífico significado ali empregado. Antes mesmo de levá-lo a boca, um calafrio anuncia o prefácio daquele momento adiado com o seu esforço inválido. Não importa, você tem que fazer isso, você precisa dele agora.

          E então, seus lábios o beijam e logo o fogo gerado pela combustão do fósforo também o beija. Seus olhos se fecham, sua cabeça inclina-se involuntariamente e a fumaça desce traquéia abaixo até chegar aos pulmões e, em milésimos, invade sua corrente sanguínea, distribuindo uma catarse que se estende a cada centímetro cúbico de sangue que corre em suas veias, carregando hemácias preenchidas de uma sensação impossível de ser entendida, apenas interpretada pelas sinapses. A Terra para seu movimento por alguns segundos, suas pupilas dilatam e enquanto lentamente você abre os olhos, enxergando apenas o escuro do céu à noite, com suas estrelas nele mergulhado, a fumaça faz todo o cruel caminho de volta deixando apenas uma dor expressa por um sorriso malhado pela necessidade de mais um trago.

      A vida não passa de uma sucessão de tragédias e melodramas vividos por mundos ideológicos comandados por super-egos, o ser humano.  Contudo, a catarse sentida naquele momento por uma pessoa que parece sentir toda a dor do mundo num só instante parece incompreensível pra muitos, mas é sadicamente aceita por quem a sente. Para esses poucos seres, é sentir-se vivo. Para essas pessoas de dores incompreendidas. É amar.

terça-feira, 15 de março de 2011

Para minha querida Mallu

    Eu gosto de te sentir em meus braços e de ti fazer conhecer qualquer pedaço desse novo mundo. Gosto também de te fazer prestar atenção em mim, mesmo que seus olhos não encontrem os meus. Se de algum eu te faço sorrir, fico contente por você ter sentido e feito valer minha presença em sua vida, mesmo que depois eu seja esquecido; não será por culpa sua e nem por falta de amor meu.
    Fico bobamente alegre quando você passa a mão no próprio rosto e fecha os olhinhos demasiado azuis, sorrindo e pondo os dedos na boca.
    És tão quieta em tudo que fazes. Não há barulho algum.
    Sentir sua cabeça e seus pouco cabelo em minhas mãos faz-me sentir protetor, digno e competente de qualquer tipo de amor.
    Aproveite esse teu mundo que ainda guarda resquícios de qualquer magia verdadeira, lugar onde qualquer toque ou som é sinal de sincero carinho. Aproveita também o silêncio dessas palavras não vindas e que não podem lhe machucar o coração – e ninguém se atreveria a te machucar de outra maneira.
    Obrigado por ter posto meu dedo entre os teus tão pequenos... Para mim não há maior prova de aceitação.
    Você me é e me dá tudo que espero de alguém assim como você. És o que pretendo para o meu futuro, és o meu presente tão vivo e inclusive o meu passado. Sim! Já tenho enormes saudades de ti, algo que me abala e me faz feliz.
    Somos assim, às vezes olhos direto e alegres, sorrisos, abraços, carinho, amor. Corpos ternos em dia e noite de chuva.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O teu abraço

O teu abraço,
Tão específico,
Caloroso rastro
De dedos finos,
Braços apertados,

Forte vontade
De chegar ao acaso,
de cheirar tua essência,
Teu perfume
E o sobressalto.

Mansa ligeireza,
Coisa tua
De corpo levitado,
Pois te enlaço, te sussurro
No meu, nosso abraço.


Dedicado à Isabela Almeida. Escrito para ela.

Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Cantiga de Ninar

Mastigo, engulo e digiro
Dia após dia a vontade de te matar

Engano, minto, deixo pra lá
Os devaneios puros de um dia me tirar
Verde no teu peito que não posso te amar

E aémero, negro tua tristeza
Brando o caminho sem recordar
Como era a voz que ainda cedo deixava
Um silêncio de martírio como cantiga de ninar.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

De moça

Moça, não chore
Ele não te quer
Nem te ama mais
Não tente voltar, se puder.

Não diga que ele não consegue,
De você, longe viver,
Longe de seus lábios.
Ele rirá sem temer.

Não tente, não tente
Não tente voltar
Não o chame de amor

Ele só esperou uma desculpa
Para te deixar
Ele não te ama.

 Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A gata Betty

      Era uma vez uma gata chamada Betty. Ela já estava velhinha, mas ainda parecia radiante.
    Betty andava pela rua com seu rabo levantada para cima e dançando, mas ela não mais corria.
    Ás vezes sentia-se emburrada, pois sua antiga dona, uma garotinha, havia lhe deixado com sua avó na antiga casa onde morava. A gata pensava “Por que não me deixaram ir, como fizeram com meus irmãos?”.
    No começo foi legal ter sido escolhida, mas agora que era esquecida... Nunca havia lhe faltado nada, mas agora que havia ausência de felicidade...
    Certa vez perdeu uma cria novinha que foi mordida por um morcego na frente da própria Betty.
    A coitada passava a tarde inteira na calçada de sua casa, sob uma árvore – aproveitando a sombra, claro. Parecia uma velha fuxiqueira, olhando de um lado para o outro.
    Havia se tornado um animal amargo, sem amor. Se qualquer pessoa ousasse tocar-lhe, ela saia de perto (não corria, lembra?), miava e fazia beiço. Nunca mais dera outra cria.
    A solidão de Betty era tamanha, as pessoas já não se importavam com a gata e ninguém a chamava pelo nome, ela também já havia esquecido qual era, por tanto, se você a chamasse gritando-o, muito provavelmente ela não atenderia ao chamado. Só o faria se estivesse realmente curiosa, interessada ou se sua voz fosse bonita.
    E agora, o que seria de Betty? O que seriam de suas tardes? E quando percebesse que havia perdido tempo demais, morreria de angústia, tristeza? Por que ninguém a fazia correr, ou então lhe pegava no braço e mostrasse-a que existia amor? Betty sentia-se como se não pudesse nem mais se expressar, e era totalmente verdade...

Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O gosto do amor

O gosto do amor na verdade é o último sentido que se é roubado por ele e o meu primeiro foi o da visão. Aconteceu em Roma a 4 anos atrás, no hotel The Westin Excelsior Rome em uma das minhas visitas ao consulado italiano. De início, não soube que ela era quem me roubaria o sentido, mulheres não passavam de um hobby e homens de estirpe precisam mantê-los, mas bastaram algumas horas de conversas para que eu me desse conta de que estava diante da mulher perfeita e apenas uma noite em sua cama para que percebesse que estava apaixonado, dali em diante meus olhos a pertenciam. Pela manhã, o lençol engelhado e o travesseiro encharcado com seu cheiro evidenciavam a desarmonia dos fatos e os focos de luz sépia, criados pelos raios que passavam pela cortina caqui, atingiam meu rosto revelando uma antítese de expressões faciais adversas ao que meus olhos mostravam. Foi então a primeira vez que ela partiu e que levou consigo meus sentidos da visão e olfato.
O dano era irreparável, meus olhos preencheram-se com um olhar vazio, distante, errado e facilmente identificado pelas minhas pupilas esverdeadas nas órbitas e perdidas na extensão das linhas inquietas do whisky que incorporava o copo. Naquela noite, sozinho em um pub em Londres, eu encarava o copo tentando imaginar se era capaz de me levantar se tomasse mais uma dose enquanto seu cheiro invadia o pub como uma tempestade que chega sem avisar, começando com o tom de canela doce e levemente compenetrado e por fim, devidamente apimentado graças à nota de pimenta somente identificada pela presença do toque de sua mão sobre meu ombro. Era ela! Meus olhos logo a alcançaram e num sentido convexo em direção ao seu rosto em que se formava uma penumbra graças às pobres luzes do pub, ela me roubaria mais dois sentidos.

                - Posso me sentar? – Falou.
                - É claro! – E logo, a audição a pertencia.


Deu-me uma desculpa qualquer a respeito de como me encontrara, me enalteceu com alguns elogios e disse que me devia uma explicação sobre o que tinha acontecido em Roma. O fato era que estava com medo, medo, pois compartilhava do mesmo sentimento que eu e recordava-se saudosista daquela noite que fugiu apenas por não se conformar com a situação em que se via menor frente a outro ser por causa de um sentimento mais forte e inexplicável que acreditava não existir e logo foi interrompida com meu beijo, que distraído não percebia que naquela hora acabara de entregar mais um sentido, o tato.
Dois anos e 5 meses após recusarmos os próprios medos, entramos num mundo ao qual não nos atrevíamos e que condicionados aos nossos corpos, mais pertencentes a mesma alma, vivíamos um para o outro. Mais cedo naquele dia, tinha me dito pra que não me atrasasse, pois às 21:00 me faria uma surpresa. Deixei o escritório as 20:27, parei em uma taberna as 20:40 e pedi uma garrafa do melhor chardonnay, pra comemorar com ela o dia em que nos conhecemos. Fiquei preso em um engarrafamento as 20:49 e cheguei em casa as 21:17. Entrei, pé direito primeiro o esquerdo em seguida. Senti o cheiro de salmão, sorri, e logo o identifiquei na mesa, perfeitamente preparada para a ocasião.

             - Amor? Comprei aquele chardonnay chileno que você adora. – Sem resposta. Sigo para o quarto.
              - Desculpa, eu falei que não me atrasaria, mais eu peguei engarra...

A garrafa vai ao chão. O grito forte e rasgado ecoa por toda a casa. A faca ainda cravada em seu seio indicava o último dos golpes apressados desferidos contra seu corpo pelo ladrão. O sangue encharcava a cerâmica e aos poucos ia tocando meu corpo. De joelhos, com ela em meus braços, beijo seu rosto maquiado com seu próprio sangue ao tempo que sinto o gosto de metal do mesmo misturado ao sódio de minhas lagrimas à medida que vejo ali, minha vida tomar forma de gelo. Aquele era o gosto do amor, aquele era meu último sentido.