Como sendo o oposto de uma música francesa que se escutou certo dia, houve uma gata sem luz própria e sem muito a dizer ou escutar.
Desculpem-me por interromper isso aqui tão bruscamente, mas antes de qualquer coisa, eu quero contar algo que acho muito importante, e também porque não quero esquecer: toda vez que o dia era frio, Meg, essa gata tão real, deitava-se sobre um pedaço de calçada, um canto que ela podia chamar de seu. Deitada, ela sentia o frio e o calor do chão duro e pontudo, mas que era algo confortável e confortador para ela. Meg olhava para o céu e via as nuvens passarem tão rápidas... Era como encontrar algo para poder dizer-se feliz.
Retornando ao meio raciocínio, ela era conhecida de uma gata, chamada Betty. Quero dizer, hum... Na verdade, eu não sei. Talvez Betty não conhecesse Meg, ou então a ignorava. Essas duas gatas compartilhavam da mesma solidão. Ás vezes, juntas, deitavam-se sobre o muro e conversavam silêncio. Ou então era apenas Meg que se deitava e olhava, de cima, para a outra sentada na calçada morna. Mesmo sendo uma vista superior, a indiferença de Betty causava medo e agonia à pobre Meg. Aquela sempre foi muito fria. De fato, quem sempre tentou uma aproximação foi a atormentada gata do muro.
Certa vez, numa tarde quente, quando o silêncio não existia, quando a vida já se achava tediosa de tanto tédio, e quando os pássaros choravam por algo ainda não acontecido, Meg, deitada sobre o muro, não virou o focinho para ver os cantos e os gritos, as risadas... Estava muito cansada e com sono, procurando uma lufada qualquer que refrescasse seu corpo. Ela não entendeu muito bem o que acontecia ao seu redor, estava muito confusa. Havia escutado uns barulhos estranhos, algo que parecia ser um latido, mas ela não entendia dessas coisas... Curiosa, foi tentar falar com Betty, fazer a primeira comunicação com a colega de solidão, perguntar se essa sabia de alguma coisa acerca dos ruídos estranhos e novos... Porém, para falar com Betty, primeiro Meg teria de encontrá-la.
Os ruídos haviam cessado, a gata havia decido do muro lentamente... Quando chegou ao chão, quando havia aberto os olhos e não havia encontrado o que queria, sentiu algumas sensações estranhas: algo estava para acontecer.
Meg foi pegada de surpresa por dentes e jogada para o lado. Quando se deu conta de que era um cachorro dos bravos que estava atacando-a, ela logo tentou se movimentar e fugir, mas o cão foi muito rápido e a pegou pelo rabo, novamente com os dentes, e a puxou, e a arrastou... Meg foi virada e ficou de frente a frente com o canino... Olhando nos olhos do cachorro, a gata viu uma raiva atiçada, o pobre animal não havia nascido ruim, não poderia ter sido isso... Ela percebeu que o cachorro havia sido influenciado a ser mal, viu o seu olhar vazio de uma raiva sem sentido, raiva apenas por raiva, mas a gata não teve muito tempo para lamentar o pobre animal, este latiu ferozmente, mostrou os dentes e começou a morder o corpo de Meg. Ela, tentando se defender, com as patas, arranhou o focinho de cachorro, apertou as garrinhas com tanta força de medo e de tentativa de sobrevivência que fez o cachorro sangrar, mas ela também sangrava... De repente, perdeu muita força, ficou um pouco tonta, nem percebeu quando o cachorro, latindo enlouquecidamente, saiu correndo atrás de risadas malignas de um homem que o irritava. O ser humano havia sido mau tanto para o cachorro quanto para a gata, e estava rindo alegrimente por ter feito os dois se ferirem...
Quando Meg subiu num pé de manga para tentar se salvar do cachorro, o maldoso homem subiu logo em seguida e puxou-a, arrastou-a pelos galhos, jogo-a no chão humilhada e cansada.
Não haviam deixado-a em paz. Ela poderia ter sobrevivido, mas a maldade humana fê-la andar de mansinho, embora estivesse morrendo de medo de ser pega novamente, dando cada passo calejado, arranhado, bambo e cansado sobre os paralelepípedos do caminho curto e sofrido que era para sobreviver. O esqueleto, salientado sob o couro de gata, feria as feridas finas, profundas e ardentes dos órgãos, fazia sangue virar ácido à dores delirantes. Algo dentro de si mesma arranhava-a, lhe cortava o raciocínio, e então ela fechou os olhos cansados, mas fechou sem perceber, e sem perceber que havia fechado os olhos, pois a dor de seu corpo era muito mais intensa que o mundo, ela continuou caminhando em frente, triste por não ter tido amor, por não ter sido mais feliz... O espaço externo à sua dor era barulhento, canalha e quente. Calor esse que adentrava pelos ferimentos e balançava-os, fazendo-os pisarem na tristeza. Meg não sabia se iria sobreviver, mas queria ficar um pouco só, queria algo que ela não sabia e nem havia conhecido.
Seu sofrimento se assemelhava à inocência de alguém que fica em silêncio e que não compartilha com o mundo – pois não há ninguém que te ouça – os sentimentos, as faltas, a saudade que sente, à solidão de ver tanta gente junta e achar-se só e sujo.
Portanto, subiu com tamanha dificuldade uma calçada lúgubre e, usando de alguma força desconhecida, entrou pesadamente pelo portão enferrujado de uma casa... Ninguém havia feito Meg parar, ninguém havia deixado entender que sentia pena dela – e até mesmo de pena ela sentia falta -, apenas a olharam desaparecer pela poeira que é o sofrimento e a dor, deixando-a nunca mais ser vista, nem contada.
Por: Ítalo Héctor de Medeiros Batista
QUE LIIINDO Dido!
ResponderExcluirComo voce descreve bem tudo e a cena!
Eu chorei, coisas com animais e imaginar a cena e enfim!
Adorei essa parte:
"Seu sofrimento se assemelhava à inocência de alguém que fica em silêncio e que não compartilha com o mundo – pois não há ninguém que te ouça – os sentimentos, as faltas, A SAUDADE QUE SENTE, à solidão de ver tanta gente junta e achar-se só e sujo."
E o desfecho foi fantastico. ;*