Era uma tarde de Dezembro, ano de 2000, vínhamos morar ali porque estávamos fugindo do que o meu marido chamava de perseguição perigosa; completamente horrorizada acompanhei-o até perceber que aquilo era uma loucura para um ato não cometido antes daquele verão. O meu marido sempre gostou da zona rural, por mais que eu o dissesse que na cidade nós iríamos melhorar de vida, ele ainda assim teimava comigo, contrariando as minhas afirmações e conseqüentemente me convencendo que o chão vermelho e os gados poderiam nos causar bens maiores.
Não era de se acreditar, vendo um homem forte como o meu se despedaçado de medo por conta da sua atitude erronia com o seu antigo patrão. É compreensível a suspeita que ainda houvesse alguém para nos punir, porém sempre preferi acreditar que por mais que o ato tivesse sido desonesto ele não aconteceu e isso anulava qualquer atitude ruim que se aproximasse da gente. Não foi fácil tentar convencê-lo que nada de mal iria nos prejudicar, ele sempre mostrava contrariedade quando eu tocava no assunto da tentativa de roubo dos bois, era como se o torturassem. Ficava zangado, queria me bater, mostrava pavor e impulsividade quando eu chamava-o para conversar, e na mesa da casinha de sapé, dizia:
- Homem deixe disso. Mostre sua valentia! Corra por esses pastos, vá tanger as vacas, tire o leite; esqueça a história de que o Coronel Felizardo ainda está nos controlando, este miserável já deve está morto e enterrado. Ande, vá tirar o leite das vacas!
Ele saia bravo e desordenado, trocava os pés quando ia andar. Era suplicante vê-lo cair em tal desespero sem ações ruins pára conosco existirem. Tinham dias que eu ajudava-o com a tirada do leite, nesses dias eu via o sorriso transparecer em seu rosto, mas por trás desse sorriso era capaz ver bem fundo um medo avassalador, mas um medo que não era capaz de matar uma mosca sequer. Era inofensivo, ameaçava, logo em seguida corria.
As noites que passamos nessa casinha, longe da cidade, foram noites impossíveis, nós não nos tocávamos, parecíamos estranhos um pro outro. Eu sempre procurava pôr um vestido mais novinho quando tomava banho ao entardecer, para provocar nele o desejo de irmos para cama nos amarmos. Quando eu passava minha mão gélida sobre o seu ombro, ele pousava sua mão sobre a minha mostrando um ato de irmandade, depois se deitava na esteira repousada no chão da sala, virava-se e ia dormir. Eram essas noites que eu chorava sob a meia-luz da Lua.
Passados alguns dias, nós adentramos o ano de 2001 e com essa virada eu supliquei muito que saíssemos dali, pois eu pressentia algo de ruim conosco. Não fui ouvida. Parecia que ele tinha sede de vingança, até já treinava atirar faca no tronco de uma árvore, como se fosse atirar a mesma em alguém ou mesmo no Coronel Felizardo, dono dos gados que ele meses antes pretendia roubar, mas o plano de furto não funcionou.
Foi exatamente no início do outono que eu me deparei com a morte dele. Não foi assustador, portanto não me ocasionou nenhum tipo depressão ou medo. Doeu-me muito ver meu marido morto pelas próprias mãos, depois de tomar uma super dosagem de Valeriano e morrer no celeiro onde estavam as vacas. A cartela onde estavam os 20 comprimidos ficou vazia sob a sua mão calejada e cansada de sofrer aquela condição de “quase nada”.
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