sábado, 18 de dezembro de 2010

Sem mudanças com a morte


A casa continuava na mesma sintonia, não aparentava ter havido ali uma morte na noite passada. Nós ficávamos perguntando como pessoas tão tradicionais poderiam permanecer tão irremissíveis como as mulheres e o homem naquele lar. Através das paredes escutávamos os risos e as conversas alegres de todos os dias, porque a morte seria agora um marco, como se delimitasse um tempo antes de ter acontecido o fato, e um tempo depois do fato ocorrido.
Os quinze dias finais foram limitados a um leito de cama hospitalar, onde só poderia comer frutas e legumes verdes ou se preferisse, uma sonda que lhe alimentaria com um líquido alvo e mal promovido de cheiro, mas que garantiam ter toda validez que ela precisava.  E era uma mulher forte, porém o tempo cumpriu o seu papel, deixou-a raquítica e pálida, com pele flácida e olhos sem visão; tudo o que ela mais amava em seu corpo havia sido destruído, e nem assim ela perdia a fé em viver e a força de vontade em lutar.
Não foi possível casar-se. Ela dedicava-se muito ao trabalho, e, portanto era muito atarefada em suas artes de costura para tirar do seu tempo alguns instantes para os homens que lhe faziam a corte, mas que não lhe agradava em nada. Viveu e morreu pelo trabalho, porém ficou impossibilitada de trabalhar seus últimos tempos, mas sua irmã cuidava de tudo, principalmente do seu dinheiro, pois seu interesse estava depositado naqueles tostões que recebia de sua aposentadoria gerada por invalidez e velhice. Sofreu um bocado, mas segundo seus familiares, após sua morte ela pôde descansar com sono eterno, viver da maneira que queria (festiva), sorrindo e brincando como desejava em vida.
Tudo não bastou, o que nos impressionava estava ligado à conseqüência gerada pela sua morte, e por um acontecimento tão triste não ter gerado nenhuma inflação em ânimos dos parentes. Os amigos daquela pobre mulher observavam em seu velório o comportamento de sua irmã e afilhada que tentavam alterá-los, mas o fingimento era sempre cortado com uma conversa nova que surgisse no ambiente, isso gerava certo comentário interno entre todos os presentes não-familiares, e também os que não a conheciam, mas andavam pela rua naquela noite e via tudo o que se passava num completo estado de nostalgia. 

Em memória a Josefa.

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