Alta madrugada. Eis a cinza do cigarro representando a sua desgraça que mesmo apagada tem a necessidade de gerar um incêndio relembrando e amaldiçoando tudo aquilo que tentou construir. Como uma praga, uma sujeira, uma mancha que não pode ser limpa. Uma mancha que está cravada para sempre em rosto deformado e desfigurado por uma traição que assim como a sua beleza, levou o único ser que já foi capaz de amar.
Havia então a ânsia de gritar, de absorver a alma de prostitutas quaisquer, na sede do tejo de suas pernas encravadas, no ímpeto ilusório da afirmação de ser homem e ter que cumprir tal papel.
Ela. Cuja memória se esvai na voz de prazer de vários homens, dança num quarto onde uma parede composta de um espelho cego a separa dos desejos insatisfeitos de ver e não poder tocar de um macho qualquer. Justo em contra posição a sua cegueira de faces, ainda consegue ouvir a voz rouca e rasgante de seu conjugue gritar no trailer que pôs em chamas. O mesmo aonde foi amarrada, lhe foi arrancada pele, carne, sangue e dignidade pelo ciúme do desgraçado que por razões que não entende, não consegue esquecer.
Hoje, a distância dele e do filho, cola seu corpo no lar cujo metal se desfez. A voz do esposo agora se faz em gritos e é sussurro de gemidos de homens que agora a pagam. Pagam por satisfazer desejos acalados, silenciados e alimentados daqueles homens demasiadamente humanos. E os faz, não por não ter escolha. Os faz, por satisfazer também seus desejos sujos e indignos (indignos apenas para os/as hipócritas). Os faz, porque no metal da pele daqueles homens sente seu corpo arder, suar, queimar em arrependimento na dança dos corpos. Os faz, porque sente estar deitando com o homem que amou e que hoje se faz pó. Assim como o que restou dela.
Ele. Na ponta dos cabelos dela, morenos antes. Respira a liberdade enroscado em um sentimento falso, mentiroso, capaz de destruí-la com apenas uma frase. Uma verdade que é incapaz de contá-la, permanecendo às escuras, destruindo e criando um homem que só existe na presença dela. Carne sedentária, íngreme e impetuosa abrange em pele, veias e sangue sua vontade incontrolável de consumir como um parasita todo o êxtase impregnado como cheiro de cigarro na voz dela ao ouvir que o ama. Mesmo que se contenha em penumbras de oscilação de desejos luxuriosos. Mesmo que se contenha em contar que ali se faz presente seu homem, ou parte desfigurada do que restou dele.