O gosto do amor na verdade é o último sentido que se é roubado por ele e o meu primeiro foi o da visão. Aconteceu em Roma a 4 anos atrás, no hotel The Westin Excelsior Rome em uma das minhas visitas ao consulado italiano. De início, não soube que ela era quem me roubaria o sentido, mulheres não passavam de um hobby e homens de estirpe precisam mantê-los, mas bastaram algumas horas de conversas para que eu me desse conta de que estava diante da mulher perfeita e apenas uma noite em sua cama para que percebesse que estava apaixonado, dali em diante meus olhos a pertenciam. Pela manhã, o lençol engelhado e o travesseiro encharcado com seu cheiro evidenciavam a desarmonia dos fatos e os focos de luz sépia, criados pelos raios que passavam pela cortina caqui, atingiam meu rosto revelando uma antítese de expressões faciais adversas ao que meus olhos mostravam. Foi então a primeira vez que ela partiu e que levou consigo meus sentidos da visão e olfato.
O dano era irreparável, meus olhos preencheram-se com um olhar vazio, distante, errado e facilmente identificado pelas minhas pupilas esverdeadas nas órbitas e perdidas na extensão das linhas inquietas do whisky que incorporava o copo. Naquela noite, sozinho em um pub em Londres, eu encarava o copo tentando imaginar se era capaz de me levantar se tomasse mais uma dose enquanto seu cheiro invadia o pub como uma tempestade que chega sem avisar, começando com o tom de canela doce e levemente compenetrado e por fim, devidamente apimentado graças à nota de pimenta somente identificada pela presença do toque de sua mão sobre meu ombro. Era ela! Meus olhos logo a alcançaram e num sentido convexo em direção ao seu rosto em que se formava uma penumbra graças às pobres luzes do pub, ela me roubaria mais dois sentidos.
- Posso me sentar? – Falou.
- É claro! – E logo, a audição a pertencia.
Deu-me uma desculpa qualquer a respeito de como me encontrara, me enalteceu com alguns elogios e disse que me devia uma explicação sobre o que tinha acontecido em Roma. O fato era que estava com medo, medo, pois compartilhava do mesmo sentimento que eu e recordava-se saudosista daquela noite que fugiu apenas por não se conformar com a situação em que se via menor frente a outro ser por causa de um sentimento mais forte e inexplicável que acreditava não existir e logo foi interrompida com meu beijo, que distraído não percebia que naquela hora acabara de entregar mais um sentido, o tato.
Dois anos e 5 meses após recusarmos os próprios medos, entramos num mundo ao qual não nos atrevíamos e que condicionados aos nossos corpos, mais pertencentes a mesma alma, vivíamos um para o outro. Mais cedo naquele dia, tinha me dito pra que não me atrasasse, pois às 21:00 me faria uma surpresa. Deixei o escritório as 20:27, parei em uma taberna as 20:40 e pedi uma garrafa do melhor chardonnay, pra comemorar com ela o dia em que nos conhecemos. Fiquei preso em um engarrafamento as 20:49 e cheguei em casa as 21:17. Entrei, pé direito primeiro o esquerdo em seguida. Senti o cheiro de salmão, sorri, e logo o identifiquei na mesa, perfeitamente preparada para a ocasião.
- Amor? Comprei aquele chardonnay chileno que você adora. – Sem resposta. Sigo para o quarto.
- Desculpa, eu falei que não me atrasaria, mais eu peguei engarra...
A garrafa vai ao chão. O grito forte e rasgado ecoa por toda a casa. A faca ainda cravada em seu seio indicava o último dos golpes apressados desferidos contra seu corpo pelo ladrão. O sangue encharcava a cerâmica e aos poucos ia tocando meu corpo. De joelhos, com ela em meus braços, beijo seu rosto maquiado com seu próprio sangue ao tempo que sinto o gosto de metal do mesmo misturado ao sódio de minhas lagrimas à medida que vejo ali, minha vida tomar forma de gelo. Aquele era o gosto do amor, aquele era meu último sentido.