domingo, 5 de fevereiro de 2012

Vina

Vina era o apelido que recebia o rapaz do pequeno apartamento em frente ao meu. Na verdade, ele atendia pelo nome de Vinícius. O Vina era um rapaz alto, magro, loiro, olhos verdes e um sorriso sedutor.  Seus lábios eram como dois pêssegos, pareciam macios e delicados. Ele tinha uma namorada chamada por todos de Nicinha, mas batizada com o nome de Eunice. A Nicinha não era feia, tinha olhos grandes e cansados, como o dia de uma rotina pesada de trabalho. Sendo bem sincera... Ela não era de se jogar fora!
O Vina sempre saia de casa pela manhã com o seu saxofone embaixo do braço, voltava à noite, mas na maioria das vezes nem voltava. No início eu observava muito a vida do garoto, depois arrumei um emprego e cai pra rua também. Nós nos encontrávamos vez ou outra nos corredores do prédio onde morávamos. O prédio era situado numa zona periférica do Rio, algo bastante perigoso pra hoje em dia, porém nós vivemos por lá no ano de 87.
Como já foi citado, eu arrumei um emprego, este era no café de Ipanema, lá o ambiente era sofisticado, visitado por muitos “barões”, dominadores daquela outra zona do Rio, totalmente diferente daquela que eu morava. Nas tardes de trabalho, enquanto eu arrumava o balcão e a Dulce servia café aos velhos “mandões”, era possível ver o Vina passar com o seu inseparável instrumento, para tocar ali no apartamento do maior ídolo da época: o Cazuza.
Durante a noite, depois do trabalho, eu topava com o Vina no metrô, nós conversávamos pouco, porque ele nunca gostou de papear comigo; talvez ele fosse medroso por conta da namorada, ou sei lá o quê.
Lá no prédio também tinha o maluco do “Dream”, pode parecer estranho, mas aquele louco tinha o mesmo nome do Vina – Vinícius –, porém ele preferia ser chamado assim, pois fazia alusão ao seu idioma preferido, além de vê-lo sempre falando em viajar pra Nova Iorque, o que era impossível pra um vendedor de batatas daquela época (ou até mesmo hoje em dia).
Vina e Dream viviam juntos, fumavam uns baseados, saiam pra curtir as noites cariocas, conversavam muito, dormiam fora, passeavam, ouviam música, até trabalharam no mesmo local, mais isso foi antes da mãe do Dream ficar cega e ter que ir trabalhar com o filho na feira, tirando assim o lugar que o Vina ficava.
No apartamento que o Vina morava, também tinha o seu tio – que eu não me recordo o nome –, um senhor que consertava televisores e rádios e tinha uma mania muito estranha, para dormir ele precisava ligar todos os aparelhos quebrados que estavam sob a mesa para consertar, só assim ele cobria-se todo e dormia profundamente.
Os pais do Vina não existiam mais. O seu pai era falecido, também tinha sido músico, sendo o principal incentivador do filho nessa carreira, pois o saxofone que o Vina carregava, era presente do falecido pai. Sua mãe era uma prostituta, se mantinha do trabalho e era a principal atração de um bordel da zona norte do Rio. Ela nunca saíra de cartaz, até quando morreu, em 96.
O Dream vivia com a sua mãe, que era viúva. A velha era cega e quase inconsciente, o que fazia a paciência do filho se esgotar muito rápido. Ele também morava lá no prédio, por sinal, em frente ao meu apartamento, assim como o Vina. Com o Dream eu conseguia conversar mais vezes, ele parecia mais aberto a papos com mulheres, já que então ele não tinha namorada, e talvez isso pudesse ser um problema pros homens daquela época.
Depois de alguns meses trabalhando no café de Ipanema, eu conhecia perfeitamente a rotina que o Vina tinha. Era um rapaz muito responsável. Ensaiava todos os dias com o Cazuza, participava dos shows daquele grande ídolo, mas nunca conseguiu reconhecimento maior, como por exemplo: o “grande saxofonista brasileiro” ou mesmo “o saxofonista do Cazuza”, nisso o garoto não brilhava muito. Ele tinha um belíssimo talento, tocava muito bem. O som que o Vina produzia com “o seu inseparável” era de enfeitiçar, ecoava pelas ruas como sendo um som divino, enviado dos céus.
Na primavera de 87, eu fiquei sabendo que os garotos (Dream e Vina) haviam planejado um assalto. Essa ação se sucederia no apartamento de dois velhinhos, recém ganhadores de algum grande prêmio; com esse assalto os malucos queriam sair da miséria.
Realizado o assalto, sem sucesso, o Dream foi baleado com uma pistola que o velho guardava em casa. O Vina não teve nenhum ferimento e não conseguiu roubar nada dos velhos.
Na noite do assalto, o Vina voltou pro prédio sozinho. O Dream havia morrido. Foi daí que eu consegui conversar melhor com ele, e, portanto ficar sabendo dos fatos que eu acabei de relatar. Conversamos horas, até que chegou um momento que eu não agüentava mais, precisava pedir pro Vina um favor. Aquele dia era o momento ideal da minha fertilização, o que me fez transar com diversos caras, pois tinha posto na minha cabeça de querer um filho. Transando então com diversos homens, eu não saberia qual seria o pai e esse era o meu propósito. Então surgiu o meu pedido:
– Vina, eu quero transar com você! Assustado o Vina me respondeu:
– Porra Bel, nós nunca conversamos direito e quando rola um papo você me pede algo desse tipo, o que você tem na cabeça?
– Eu quero ter um filho.
– E você por acaso sabe se eu quero tê-lo também?
– Eu já transei com diversos homens hoje, não quero pai pro meu filho, quero tê-lo sozinha, só pra mim. Depois da minha resposta, tirei a blusa e empurrei-o pra cima da sua cama, que na verdade de estrutura não tinha nada, só o colchão.
No dia seguinte, eu não esperei o Sol raiar, resolvi desaparecer, mas antes eu precisava saber se havia funcionado o meu “plano” e algum daqueles espermatozóides que eu havia “colhido” no dia anterior tinha fecundado os meus óvulos. Não foi possível saber de imediato, porque era preciso dinheiro pra fazer o exame, mas eu não havia recebido o meu salário e não tinha a péssima mania de guardar dinheiro... Sim! A péssima mania de guardar dinheiro, porque pra mim dinheiro não se guarda se gasta.
Depois disso não voltei mais no prédio, a não ser numa tarde do fim do ano, pra buscar minhas coisas e cair fora. Naquela tarde encontrei com o Vina, que me recebeu com um belo sorriso no rosto, perguntando:
– Deu certo Bel?
Eu respondi que sim com o movimento da cabeça e sai, pelo grande corredor do prédio, sentindo o vento bater nos meus cabelos. Aquele foi o último momento que eu vi o Vina, mas fiquei sabendo que ele continuou tocando o sax, até quando não pôde mais por conta da velhice e morreu.